10 MITOS SOBRE A CURATELA
A
Lei Brasileira de Inclusão (Lei n. 13.146/2015 - Estatuto da Pessoa com
Deficiência) revolucionou o entendimento sobre a capacidade. Assim, a curatela
passou a ser uma medida jurídica extrema, utilizada apenas quando a pessoa
apresenta dificuldades em se autodeterminar, tomar decisões e expressar sua
vontade.
No
entanto, muitas pessoas ainda acreditam que a curatela retira toda autonomia do
curatelado e que pode ser aplicada indiscriminadamente a qualquer pessoa com
deficiência.
Neste
artigo, vamos esclarecer 10 mitos sobre a curatela e mostrar como ela realmente
funciona na prática.
1 - “Curatela é para sempre”.
Mito. A curatela deve atender proporcionalmente às necessidades do curatelado e deve durar o mínimo possível. Inclusive, o próprio curatelado pode solicitar ao juiz a retirada da curatela quando ficar comprovado que o curatelado consegue expressar sua vontade e se autodeterminar.
Segundo o artigo 84, §3º, da Lei n. 13.146/2015
(Lei Brasileira de Inclusão – Estatuto da Pessoa com Deficiência) “A definição de curatela de pessoa com
deficiência constitui medida protetiva extraordinária, proporcional às
necessidades e às circunstâncias de cada caso, e durará o menor tempo possível.”
2 - “Curatela é requisito para ter o benefício previdenciário”.
Mito.
O
Benefício de Prestação Continuada (BPC) concede uma renda mensal para aqueles
que não têm condições de manter seu sustento e da sua família. Para ter direito
ao BPC, a pessoa deve preencher os seguintes requisitos: (i) ser uma pessoa com
deficiência ou idoso com 65 anos ou mais; (ii) ter renda familiar
mensal per capita igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do
salário-mínimo.
A curatela não é um
requisito para ter acesso ao BPC. Existem pessoas com deficiência que não
precisam de curatela nem de tomada de decisão apoiada, ainda assim,
ela terá direito ao BPC se se encaixar nesses requisitos. Isso porque a curatela
é uma medida extrema, não uma obrigatoriedade para a pessoa com deficiência.
Segundo o art. 110-A, Lei n.
8.213/91 “No ato de requerimento de benefícios operacionalizados pelo INSS, não
será exigida apresentação de termo de curatela de titular ou de beneficiário
com deficiência, observados os procedimentos a serem estabelecidos em
regulamento”
3 - “Curatela pode ser pedida em cartório”
Mito. Para
ter a curatela, é preciso ingressar com uma ação judicial. Isso porque o juiz,
o Ministério Público e uma equipe multidisciplinar devem avaliar o curatelando
para saber se ele tem uma capacidade relativa.
4 - “Curador substitui completamente o curatelado”
Mito. O curador tem a função de auxiliar o curatelado nos atos patrimoniais e negociais e de ajudar na recuperação da total autonomia do curatelado. É um auxílio, não uma substituição.
5 - “Curatelado não pode votar, trabalhar, exercer o planejamento familiar, se casar, constituir família, exercer sua sexualidade ou decidir sobre tratamento médico”
Mito. A curatela se limita aos atos
patrimoniais e negociais: administrar benefício previdenciário/salário, vender
e comprar bens, sacar dinheiro em conta bancária, decidir sobre regime de bens,
celebrar contrato de empréstimo etc. Esses são exemplos de alguns atos que o
curador tem poderes para decidir pelo curatelado, dependendo, às vezes, de
uma autorização judicial.
No entanto, o curador não tem poderes para
proibir o curatelado de trabalhar, votar, casar-se, constituir união estável, de ter sua
privacidade, de exercer sua sexualidade, de escolher o que deseja estudar e de
decidir sobre tratamento médico.
Segundo o artigo 85, §1º, Lei Brasileira de
Inclusão “A definição da curatela não alcança o direito ao próprio corpo, à
sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e
ao voto.”
Há situações, porém, em que
o curatelado é supervulnerável: ausência total de capacidade de determinação e
de interação com o ambiente, ex.: pessoas em estado vegetativo. Nesses casos, o
juiz pode ampliar os poderes do curador para que possa decidir sobre os
tratamentos médicos, por exemplo.
6 - “Só pode ter um curador para cada curatelado”
Mito. Os interessados podem pedir que o juiz nomeie mais de um curador para o mesmo curatelado, conforme o artigo 1.775-A do Código Civil.
É uma alternativa recomendada quando o curatelado exige muitos
cuidados
e quando os pretensos curadores têm uma boa relação entre si. Assim, na ausência de um dos curadores, o
outro pode exercer os poderes isoladamente.
7 - “Curador pode fazer o que quiser com o dinheiro do curatelado”.
Mito. O curador deve administrar os bens sempre em benefício do curatelado e deve prestar contas anualmente perante o juiz e o Ministério Público.
Além disso, há atos patrimoniais e negociais que exigem uma autorização
específica do juiz, não bastando a mera sentença de curatela, ex.: vender bens
do curatelado, contrair empréstimos em nome do curatelado, sacar dinheiro em
conta corrente do curatelado etc.
Segundo o artigo 84, §4º, Lei Brasileira de
Inclusão “Os curadores são
obrigados a prestar, anualmente, contas de sua administração ao juiz,
apresentando o balanço do respectivo ano.”
8 - “Toda pessoa com deficiência precisa de curatela”.
Mito. A pessoa com deficiência é plenamente capaz. Apenas quando houver necessidade, ela pode pedir a tomada de decisão apoiada ou ser submetida à curatela, segundo o artigo 84, §1º e 2º, Lei Brasileira de Inclusão.
A curatela só deve ser pedida para
aqueles que enfrentam dificuldades em expressar sua vontade e/ou se
autodeterminar, não sendo uma obrigatoriedade para toda e qualquer pessoa com
deficiência.
Segundo o artigo 84, Lei Brasileira de Inclusão
“A pessoa com deficiência tem
assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de
condições com as demais pessoas.”
9 - “O testamento feito antes da curatela é inválido”.
Mito.
A curatela não invalida automaticamente um testamento feito antes da sentença
de curatela. É até possível questionar se o testador tinha condições de se autodeterminar
quando ele fez o testamento, mas será preciso apresentar provas concretas sobre
isso.
Segundo o artigo. 1.861 do Código Civil “A
incapacidade superveniente do testador não invalida o testamento, nem o
testamento do incapaz se valida com a superveniência da capacidade.”
10 - “Curatela e tutela são a mesma coisa”.
Mito. Embora sejam medidas de proteção, a curatela e tutela possuem finalidades diferentes. A tutela se aplica aos menores de idade cujos pais faleceram ou perderam o poder familiar, sendo o tutor responsável não apenas pela administração dos bens, mas também pelo cuidado e criação da criança ou adolescente.
Já a curatela é destinada para maiores de idade que apresentam um comprometimento na capacidade de gerir seus bens e tomar decisões patrimoniais e negociais.
O tutor tem poderes mais amplos que o
curador, já que os curadores só têm poderes para administrar bens do curatelado,
sem interferir em sua vida pessoal, afetiva ou existencial.
FONTES:
BRASIL. Lei
n. 13.146, de 6 de julho de 2015. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm
BRASIL.
Código Civil Brasileiro, 2002. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm
BRASIL.
Código Processo Civil, 2015. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm
BRASIL.
Lei n. 8.213, de 24 de julho de 1991. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8213compilado.htm
SZPORER, Patrícia Cerqueira
Kertzman. Pessoa com deficiência em situação de curatela e sistema de justiça.
São Paulo: Editora Juspodium, 2024
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