CURATELA E TOMADA DE DECISÃO APOIADA: O QUE É, PARA QUE SERVE E COMO ENTRAR COM A AÇÃO.

 

O que é curatela

A Convenção de Nova York sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2007), recepcionada no Brasil com status norma constitucional, revolucionou a forma como enxergamos a capacidade civil.

Antes, a ideia de incapacidade era marcada pelo preconceito. As pessoas com deficiência eram consideradas absolutamente incapazes, dependendo dos representantes para exercer os atos da vida civil.

Já os relativamente incapazes abrangiam os deficientes com “discernimento reduzido” e, uma vez “interditados”, eles não podiam votar nem se casar, ficando excluídos do convívio social.

Hoje, após a Convenção de NY e o Decreto n. 6.949/2009 (que recepcionou a convenção no ordenamento brasileiro), a incapacidade passou a ser a exceção. Os absolutamente incapazes são apenas os menores de 16 anos. E os relativamente incapazes, uma vez curatelados, podem votar, se casar, trabalhar, pois a curatela só se aplica aos atos patrimoniais e negociais.  

Ou seja, se antes as pessoas com deficiência eram automaticamente tidas como incapazes; hoje, existem pessoas com deficiência: (i) que preferem ter a tomada de decisão apoiada; (ii) que precisam da curatela; (iii) ou que não precisam nem de curatela nem da tomada de decisão apoiada.

A Lei Brasileira de Inclusão (Lei n. 13.146/2015 – Estatuto da Pessoa com Deficiência) consolidou essa mudança.  

Nesse artigo, você vai ver as diferenças entre a curatela e tomada de decisão apoiada e o que você precisa para entrar com a ação.

CURATELA: O QUE É? PARA QUE SERVE?

A curatela é uma medida jurídica extrema que serve para auxiliar aqueles com um comprometimento na expressão de vontade ou na autodeterminação.

É um suporte jurídico para ajudar essas pessoas nas atividades do dia a dia: administrar o benefício previdenciário e outras rendas, comprar bens móveis ou imóveis, celebrar outros contratos, acompanhar nas consultas médicas, ajudar a tomar os remédios etc.

O artigo 1.767 do Código Civil listou as pessoas que podem ser curateladas:

  • Ébrios habituais: são aqueles que consomem constantemente bebida alcoólica de forma descontrolada, não conseguindo se autogovernar.
  • Viciados em tóxico: são os dependentes de drogas que enfrentam dificuldades em se autogovernar.
  • Pródigos: são os que arruínam o próprio patrimônio de forma inconsciente, colocando sua subsistência em risco.
  • Aqueles que, por causa por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade, ex.: pessoas em coma, com demais comprometimentos na autodeterminação etc.

A curatela é uma forma de resguardar o patrimônio dessas pessoas e de garantir suas necessidades existenciais.

Isso porque a curatela é uma forma de cuidado. Por isso, o curador deve ter uma relação de respeito e proximidade com o curatelado, independentemente de parentesco.

O artigo 1.775 do Código Civil estabeleceu uma ordem de preferência para assumir como curador:

  • Cônjuge ou companheiro que não esteja separado de corpos ou judicialmente;
  • Os descendentes: filhos, netos, bisnetos etc.
  • Qualquer pessoa nomeada pelo juiz, desde que tenha um vínculo de respeito e afeto com o curatelado.

É uma preferência que pode ser alterada, desde que seja para nomear aquele (ou aqueles) que melhor tem condições de assumir o encargo.

Exemplo: Ambrósio sofreu um acidente de carro e ficou com uma lesão cerebral permanente. Por causa da lesão, Ambrósio passou a esquecer compromissos importantes, não compreendia cláusulas contratuais e passou a ter muita dificuldade em tomar decisões do dia a dia, sendo facilmente manipulável por terceiros. Dona Bertina, esposa de Ambrósio, não se sentia apta a assumir como curadora. Por isso, os dois filhos de Ambrósio assumiram, juntos, como curadores.

A curatela deve atender proporcionalmente às necessidades do curatelado e deve durar o mínimo possível.

A curatela só abrange os atos patrimoniais e negociais descritos na sentença. Logo, o curatelado ainda pode se casar, votar, trabalhar, constituir família, ter sua privacidade e exercer sua dignidade sem precisar do curador.

Curatela: o que é e como funciona

COMO ENTRAR COM A AÇÃO DE CURATELA?

A curatela não pode ser pedida em cartório.

Então, o processo judicial é a única forma para constituir um curador. Assim, você deve procurar um advogado para te representar judicialmente. 

Quem pode entrar com a ação de curatela? O cônjuge ou companheiro, parentes, tutores, Ministério Público e o representante da entidade em que o curatelando se encontra abrigado, segundo o artigo 747 do Código de Processo Civil.

Alguns juristas admitem a possibilidade do próprio curatelando ingressar com o pedido de curatela.

Documentos necessários:

  • Laudo médico ou laudo biopsicossocial hábil a comprovar o comprometimento na expressão da vontade ou na autodeterminação.
  • Atestado de higidez mental e certidão negativa de antecedentes criminais do pretenso curador para comprovar que ele tem condições de exercer o encargo.
  • Documentos que comprovem o parentesco ou relação de proximidade entre o pretenso curador e o curatelando.
  • Informativo sobre os bens pertencentes ao curatelando, pois o curador será responsável por administrar esses bens e prestar contas em juízo anualmente.

O que acontece depois que entra com ação de curatela? Após a petição inicial, o juiz pode intimar o Ministério Público para opinar sobre pedido de curatela provisória (pedido de urgência para poder nomear o curador antes de ter a sentença). 

Após o parecer do Ministério Público, o juiz decide sobre a curatela provisória e agenda a audiência de entrevista.

Na audiência de entrevista (que pode ser online ou presencial), o juiz e o Ministério Público perguntam ao curatelando sobre sua vida, negócios, bens, vontades e laços familiares para entender se ele tem uma capacidade relativa.

O pretenso curador deve estar na entrevista, e o juiz pode fazer perguntas a ele também.

Se o curatelando não apresentar contestação no prazo de 15 dias após a entrevista, o juiz irá determinar um curador especial para defender seus interesses. Geralmente, a Defensoria Pública quem atua na curadoria especial.

Após a contestação, inicia a produção de provas. A perícia é fundamental para avaliar a capacidade do curatelando. Ela pode ser feita por uma equipe multidisciplinar (psicólogos, médicos, assistentes sociais etc.), o que gerará uma riqueza de detalhes para saber em quais atos o curatelando se mostra relativamente capaz.

Depois, os interessados se manifestam sobre o laudo pericial. Em seguida, o juiz sentencia.

A sentença deve oferecer um projeto terapêutico individual, ou seja, deve considerar as necessidades específicas do curatelado e o alcance da curatela.

Se o curatelado exerce a guarda de outra pessoa incapaz, por exemplo, o juiz deve considerar esse fato para poder nomear o curador que melhor puder atender aos interesses do curatelado e dessa outra pessoa incapaz.

Por fim, a sentença deve ser publicada na rede mundial de computadores, no sítio do tribunal que julgou a curatela, na plataforma de editais do Conselho Nacional de Justiça, na imprensa local e no órgão oficial.

como registrar a sentença de curatela

Como registrar a sentença de curatela no cartório? Uma vez proferida a sentença, o curador deve buscar a cópia da sentença na Vara onde a curatela foi julgada.

Depois, o curador leva a sentença para Registro Civil da Sede ou 1º Subdistrito da Comarca de domicílio do curatelado (em Salvador-BA, é o Cartório da Sé) para que eles registrem a curatela em um livro específico, o que gerará um código.

Depois, o curador leva esse código para Vara onde tramitou a curatela para poder emitir o termo de curatela e prestar o compromisso de curador.

Em seguida, o curador leva esse termo de curatela para Registro Civil da Sede ou 1º Subdistrito da Comarca de domicílio do curatelado, pois lá eles darão uma certidão de curatela.

Por fim, o curador deve levar essa certidão para os cartórios onde estão as certidões de nascimento e casamento do curatelado para que a curatela conste nesses documentos também.

Caso o curador deseje uma nova via da certidão de curatela, ele deverá ir ao Registro Civil da Sede ou 1º Subdistrito da Comarca de domicílio do curatelado.

É possível retirar a curatela após a sentença? Sim. Se a causa incapacitante não existe mais, então, o curador, curatelado ou Ministério Público pode entrar com ação de levantamento de curatela.

Por outro lado, se a causa incapacitante ainda existe, é possível manter a curatela, mas mudar o curador. Nesse caso, o curador, curatelado ou Ministério Público pode entrar com uma ação de substituição de curador ou ação de remoção de curador (se o curador cometeu alguma falta grave durante o exercício do encargo).

TOMADA DE DECISÃO APOIADA: O QUE É? PARA QUE SERVE?

tomada de decisão apoiada: o que é e como funciona

Já a Tomada de Decisão Apoiada é uma medida intermediária na qual a pessoa com deficiência escolhe 2 pessoas de sua confiança para prestar-lhe apoio em determinados atos, como celebrar um contrato, receber benefício previdenciário ou salário, escolher regime de bens etc.

Tem o objetivo de promover a autonomia do apoiado, pois os apoiadores não vão substituir sua vontade, mas apenas ajudá-lo a entender o que está sendo discutido em um contrato, por exemplo.

Se o apoiado realizar um ato sem a presença dos apoiadores (contrariando o termo de tomada de decisão apoiada), esse ato é inválido (nulo), já que o aspecto formal foi desrespeitado.

Exemplo: Ambrósio tem síndrome de down. Ele trabalha, mora sozinho, administra o próprio dinheiro e mantém contato com seus amigos e familiares. No entanto, ele sente muita dificuldade na hora de comprar imóvel. Por isso, ele entrou com uma ação de tomada de decisão apoiada e, hoje, Ambrósio é apoiado por seus 2 filhos. O termo de tomada de decisão apoiada, confirmado na sentença, restringe o apoio apenas para quando Ambrósio for comprar ou vender um imóvel. Se Ambrósio comprar um imóvel sem a presença dos 2 filhos (apoiadores), essa compra é nula, pois desobedeceu a forma como o negócio deveria ter sido feito.

A tomada de decisão apoiada é diferente da curatela, pois o curatelado é relativamente capaz; já o apoiado é plenamente capaz.

COMO ENTRAR COM A AÇÃO DE TOMADA DE DECISÃO APOIADA?

Não pode ser feito em cartório. 

Então, o processo judicial é a única forma de constituir apoiadores. Assim, você deve procurar um advogado para te representar judicialmente. 

Quem pode entrar com a ação de tomada de decisão apoiada? A própria pessoa com deficiência quem ingressa com a ação. Na petição inicial, ela deve indicar 2 pessoas de sua confiança para serem seus apoiadores.

A petição inicial deve estar acompanhada do termo de tomada de decisão apoiada no qual a pessoa com deficiência e seus futuros apoiadores descrevem os limites do apoio, compromissos dos apoiadores, prazo de vigência e a concordância dos interessados.

Depois, o Ministério Público se manifesta sobre o pedido de tomada de decisão apoiada. Em seguida, o juiz entrevista o futuro apoiado e os 2 apoiadores na presença de uma equipe multidisciplinar.

Após, juiz sentencia.

É possível retirar a tomada de decisão apoiada após a sentença? Sim. O próprio apoiado, a qualquer tempo, pode solicitar ao juiz o término da tomada de decisão apoiada ou pedir para trocar de apoiador. 

DIFERENÇAS ENTRE CURATELA E TOMADA DE DECISÃO APOIADA:


Diferenças entre curatela e tomada de decisão apoiada

Quer saber mais sobre curatela e tomada de decisão apoiada? Fique atento às próximas postagens!


FONTES:

BRASIL. Código Civil Brasileiro, 2002. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm

BRASIL. Código Processo Civil, 2015. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm

BRASIL. Lei n. 6.015, de 31 de dezembro de 1973.
Dispõe sobre os registros públicos, e dá outras providências. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6015original.htm

BRASIL. Lei n. 13.146, de 6 de julho de 2015. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm

FORMENTI, Alise. Interdição, onde registrar. Site Direito Notarial, Registral e Imobiliário. Publicado em 8 de maio de 2023. Disponível em: https://www.estudosnotariais.com.br/post/interdi%C3%A7%C3%A3o-onde-registrar

STOLZE, Pablo. A invalidade do negócio jurídico em face do novo conceito de capacidade civil. 2016.

Conselho Nacional do Ministério Público Tomada de decisão apoiada e curatela: medidas de apoio previstas na Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência/ Conselho Nacional do Ministério Público. – Brasília : CNMP, 2016.


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